KUNDALINI YOGA …. OU COMO SE POSICIONAR DIANTE DE ALGO QUE NÃO SE CONHECE
Existem duas atitudes básicas quando se está diante de algo que não se conhece. Uma sábia e outra estúpida! Quando o assunto é Kundalini Yoga, essa ancestral Tradição do oriente, é natural e inevitável que surjam também esses dois posicionamentos.
Os sábios têm a inteligência de admitir que desconhecem o que não sabem. Podem estar envolvidos com outros sistemas de conhecimento e não sentiram interesse em estudar esse assunto especificamente. Mas não emitem opiniões sobre o que não conhecem. Preferem se calar ou indicar alguém que sabe.
Não é a quantidade de coisas que sabe, mas a qualidade e o sentido que confere ao saber que constitui o sábio.
A atitude estúpida surge naqueles que mesmo não sabendo, falam a respeito. Sua presunção de sabedoria lhes deixa cegos. Não se dão conta de que não sabem. Ou se dão conta mas preferem falar mesmo assim.
Alguns por mérito e dedicação, conhecem muito de um campo especifico de estudo: vedanta, sikh dharma, budhismo ou qualquer outra área de estudo. E ao serem perguntados sobre assuntos de outros sistemas, os quais desconhecem, não conseguem se calar a respeito. Falam sobre o que não sabem usando para isso as referências daquilo que conhecem, um pouco do que “ouviram dizer” e um tanto da própria imaginação.
Os gregos antigos usavam uma palavra para caracterizar gente desse tipo: quem não enxerga fora e além de si; alguém centrado unicamente em seu próprio umbigo. Fechado em si. Tecnicamente eram conhecidos na palavra grega ἴδιώτης (idhiótis). Significa “um cidadão privado, particularizado em si próprio, individual”, derivado de ἴδιος (ídhios), “privado”. Usado depreciativamente na antiga Atenas para se referir a quem se mantivesse isolado da vida pública.
Ampliando um tanto a abrangência do termo e deslocando o conceito, hoje podemos dizer que a esfera pública, a instância onde o múltiplo se encontra no com-um corresponde ao ser originário de onde tudo emerge, o Um que está presente nas múltiplas coisas e que por isso mesmo é nomeado o “Um em tudo”, o universal. Soa paradoxal mas concorda com o pré socrático pensar “no singular o com-um.” Explorar a máxima possibilidade do singular desemboca no abismo de ser um de onde emerge os entes.
Por outro lado existe o privado, o particular. Este pode ser considerado uma referencia ao que é peculiar de um determinado ente, que é próprio das diferenças e condicionamentos portanto dos entes particulares. Aqueles que de certo modo se isolam em seus próprios processos e que como indivíduos separados constituem as múltiplas formas. Aquele que em tudo o que vê enxerga apenas o que já trazia em si, e isso que carrega em si proveniente das interações com o mundo é o que lhe constitui como identidade… é ao mesmo tempo o que ele pensa ser e lhe serve também de lente para ler. Ou seja ele vê o que acontece a partir desse véu.
Um indivíduo tal como descrito acima é de certa forma uma espécie, um tipo, disso que no grego é ἴδιώτης idhiotis. Um idiota mais sofisticado talvez, mas seu umbigo é ainda a lente a partir da qual vê o mundo. Não alcança as coisas elas mesmas, ou a instância originaria de onde elas emergem. Ele projeta sobre aquilo que percebe as referências armazenadas do passado. E para agravar absorve sem critica o medíocre “ouvi dizer” do senso comum. O umbigo/lente torna tudo pequeno. Do seu próprio tamanho. Esse é o quase “perfeito idiota”. O que não o deixa ser perfeito é que ele pode a qualquer momento deixar de ser.
Na vivência direta do chitta vritti nirodha (parada das ondas mentais) é possível ver o sem fundo de tudo e o abismo de onde surge o que aparece. Com isso esse espécime ἴδιώτης enquanto tal pode desaparecer. Ele felizmente é mortal e sua ausência permite o surgimento de um olhar sábio e fora do tempo. Isso é o que o Yoga é e propõe.
A atitude estúpida transfere o habito de explicar o que sabe ou pensa saber para o ato de falar também sobre o que desconhece. Triste habito. E ao falar nem ao menos tem o pudor de dizer “segundo tal e tal autor”, “ ouvi dizer que …”. Esse sujeito aprisionado em seu próprio e particular mundo fala com a presunçosa certeza de quem aprendeu a encobrir de si mesmo e dos outros a sua própria ignorância.
Porque alguém agiria desse modo e adotaria a opção por uma atitude estúpida diante do que não conhece ? Para essa pergunta muitas respostas são possíveis. Em alguns casos por cultivarem nos outros a imagem e a expectativa de que são sábios, e isso por terem estudado muito sobre determinado assunto; e ao mesmo tempo por induzirem os outros a considerar que essa área de estudo que eles dominam engloba tudo o que é relevante, eles se colocam então na posição de que sabem tudo…ao menos tudo o que importa saber segundo eles!
Então a partir dessa autoproclamada condição de sábios eles supõem que precisam ou que tem o direito de falar sobre todas as coisas. Não tem a capacidade de se calar sobre o que não conhecem. E, não conhecendo, ao falar com aquele olhar sorridente dando a impressão de que sabem tudo apenas repetem o que ouviram dizer. Se tornam papagaios e boa parte do que dizem são discursos prontos.
O que os leva a cultivar nos outros a expectativa de que são sábios? Muitas vezes é a vaidade e a necessidade de ter audiência. E porque precisam tanto que alguém lhes escute?
Ao terem pessoas crédulas prestando atenção ao que eles dizem alimentam diante de si próprios e dos outros a impressão de que seus esforços foram recompensados. Eles se dedicaram, ocuparam seu tempo estudando o que lhes interessava, abandonaram algumas compensações óbvias e inúteis e querem agora receber de algum modo sua recompensa.
No entanto, na verdade, essas pessoas abandonaram bem menos do que imaginam pois mantém ainda o chamado “conhecimento” como um modo sutil de encobrir o próprio vazio e a própria ignorância. A ideia de ser “aquele que sabe” dá uma certa consistência ao nada de si. Eles cultivam cuidadosamente essa imagem. Fazem tudo por ela. Até mesmo práticas e estudos “espirituais” se tornam uma sofisticada estratégia de autopreservação. Surge o chamado “ego espiritual” sobre o qual eles mesmos falam sem se darem conta de que estão nele.
O “eu” em sua ânsia de sobrevivência lança mão de tudo para se considerar eterno. Até mesmo daquilo que em tese lhe levaria ao fim. O que mais deseja o falso eu é se pensar divino e por isso então indestrutível.
Isso que se poderia considerar uma anomalia… esse eu hipertrofiado que se acha mestre, “desperto”, isso mesmo poderia ser compreendido como uma etapa do caminho de desaparecimento do eu ilusório. E seria, se “o suposto eu” estivesse em uma relação com um Mestre vivo autentico,pois então receberia boas marteladas de desconstrução e lhe seria mostrado onde está parado. Ou ainda poderia ser visto como uma etapa do caminho se houvesse ao menos uma intenção real de auto esvaziamento, humildade, devoção real. Isso é raro!
O que costuma acontecer é que a facilidade de comunicação e marketing disponíveis hoje faz com que qualquer idhiotis, ou seja qualquer um desses que vêm o mundo somente pela sua lente/umbigo particular possa, com algum investimento ter Cursos On Line, Canal no You Tube, entrevistas, mensagens e tudo o mais.
Mas o interessante dessa época por outro lado, é que espontânea e inesperadamente ela convoca, confronta, exige clareza, reflexão crítica, superação do senso comum. Mostra a inconsistência da pose e do discurso pronto. Isso é uma benção pois sem isso teríamos facilmente uma “imbecilização” coletiva.
É fundamental desautorizar de forma contundente ideias equivocadas que distorcem Tradições de Sabedoria importantes, cuja função é manter o alinhamento da consciência humana com as suas mais altas possibilidades. Acontece muitas vezes de pessoas se afastarem dos recursos poderosos de cura e autotransformação por influência de ideias e opiniões distorcidas. Não há controle ou fiscalização nesses assuntos. A única proteção é aprofundar o entendimento, a vivencia e ampliar o senso crítico.
O motivo que leva um ἴδιώτης, um ser fechado em si mesmo a emitir juízo sobre o que não conhece, mostra nessa pessoa a dificuldade em admitir que não sabe e se dar então a chance de aprender. Vaidade intelectual é uma máscara que encobre o medo de admitir para si mesmo que não sabe. E mais no fundo ainda o receio de não ser capaz de aprender. No entanto todos são capazes de aprender a aprender desde que se abram para isso.
Existe em alguns casos a mesquinha intenção de afastar ou dissipar o interesse das pessoas por assuntos que eles desconhecem e que naturalmente por isso não poderiam ensinar. Ficam com receio de perder o controle sobre os alunos. A tática então é falar algo que induza o interessado a se afastar do tema. Colocar medo ainda é a tática mais usada e se mantém eficiente, ao menos para os assustados.
O termo “Kundalini” ou Kundalini Yoga, por exemplo, provoca as mais estapafúrdias afirmações em quem não teve ainda a oportunidade de aprender de uma boa fonte. Essas palavras suscitam no imaginário extravagantes e as vezes até, curiosamente, antagônicas ideias.
Não é propósito deste texto analisar a fundo as inúmeras visões distorcidas sobre este tema. Mas a lista das bobagens e mistificações que se ouve envolvendo o termo Kundalini é infindável e as vezes até bizarra. Um exemplo aleatório dessa confusão é o fato de que alguns pensam que em uma disciplina que envolve kundalini seria necessário se abster de atividade sexual, ou seja, celibato. Outros ao contrario dirão que é um tipo de trabalho que envolve práticas sexuais e prometem “despertar kundalini ” através de um orgasmo intensificado. E outros ainda dirão que as duas afirmações são verdadeiras. E todos supõem estarem falando da mesma coisa: kundalini ou kundalini yoga!
Como disse não é objetivo aqui esclarecer de onde surgem ideias tão diversas sobre a mesma coisa, e os supostos fundamentos de cada afirmação. Interessa aqui apenas considerar que ao emitir opiniões, seja escrevendo livros ou falando, é necessário, por uma questão de honestidade intelectual, que se tenha conhecimento direto do que se está falando.
Ao fazer um comentário sobre ensinamentos e técnicas supostamente do Kundalini Yoga, ou que alegam “trabalhar” a energia Kundalini seria importante especificar de qual linhagem, mestre e práticas se está comentando. Caso contrário ou é opinião desavisada de leigo ou desonestidade. Em ambas se está preso no próprio mundo particular e, portanto, na idiotise.
Na Índia há um aforismo que diz: aprenda com quem sabe! Assim é também de certo modo na cultura acadêmica e costumes modernos. Se você tem um sério problema de estômago não vai marcar consulta com um cardiologista ou com um dentista. Se fosse, eles próprios eticamente lhe indicariam um gastroenterologista.
Se você quer se esclarecer sobre kundalini, o sensato seria perguntar a um Mestre ou professor de Kundalini Yoga. Ou a alguém de uma linhagem yogi que dedique tempo e profundidade teórica e pratica a esse assunto. Não é muito inteligente perguntar a um sacerdote cristão ou hindu ou mesmo a um praticante de Yoga que não seja da Tradição Tântrica ( outro tema controverso e cheio de farsas e enganos) que é de onde surge o mapa energético humano e são descritas as variedades de energia que movem a consciência, não seria nem mesmo educado ou cortes perguntar a alguém a respeito de algo que está fora do campo de estudo dessa pessoa.
E muito mais patético e lamentável ainda, para não dizer ridículo, seria alguém nessa área tão específica e reservada dos ensinamentos yogis, se basear nas suposições do próprio ego e se tornar assim discípulo da própria ignorância.
Harbhajan Singh Puri conhecido como Yogi Bhajan, uma das maiores autoridades em nossa época sobre este tema comenta o seguinte ao falar sobre Kundalini: “Kundalini é toda a energia cósmica no indivíduo e além do indivíduo; a energia da consciência. Sem o constante fluxo desta energia você não poderia viver. Com um grande fluxo, sua mente começa a fluir e despertar. Você para de viver dentro de realidades imaginárias e se torna muito zeloso nas tarefas e prazeres desta vida.”
“A elevação de Kundalini lhe dará a graça do movimento. A vida enche cada célula de tal maneira que você se torna capaz de se mover suavemente com uma consciência de ritmo e música em todos os ambientes. Kundalini torna a pessoa viva e graciosa…..” e de certa forma, se torna uma pessoa positivamente “perigosa” pois não poderá mais ser manipulada por ninguém. “A medida real da subida de Kundalini é sua consciência da respiração e a coragem com que você enfrenta a vida!”
Quando me dizem hoje que alguém na condição de ἴδιώτης (idhiótis) falou que “Kundalini Yoga é perigoso ou que pode deixar louco”. Ou que para praticar Kundalini basta respirar vigorosamente durante a execução dos asanas e pouca coisa mais …você mesmo escolhe a ordem dos exercícios e inventa teu próprio sistema. Pessoas assim não tem a menor ideia do que estão dizendo. Talvez sejam a pior espécie de ignorantes pois não apenas estão desorientados como desorientam os outros. Cegos conduzindo cegos. Desconhecem que os Kriyas de Kundalini são fórmulas alquímicas precisas, com efeitos específicos e que trabalham com uma alta dinamização pranica, a força vital do átomo, e por isso mesmo essas séries são exatas e formuladas por grandes Yogis que viam os chakras , canais energéticos, aura e sabiam exatamente o que estavam fazendo. Não considerar este fato é demonstrar completa ignorância do que está falando. É um erro absolutamente grosseiro que pode prejudicar não só aquele que fala como aqueles que ingenuamente acreditam no que ouvem. No entanto não é para se espantar com nada disso. Idiotas dizem tantas coisas…..também já escutei muitas opiniões de segunda mão antes de ter a oportunidade de conhecer sobre esse assunto através da experiência direta em contato com uma Tradição viva. Rezo apenas para que não hajam ingênuos ou desavisados que acreditem em quem emite opiniões sobre o que não conhece.
Aqueles que fazem a experiência por si mesmos com orientação adequada poderão saber o que é Kundalini e Kundalini Yoga. Então, progressivamente, ao menos nesse tema, quem insiste em dizer bobagens serão escutados cada vez mais apenas por eles mesmos. E um dia, quem sabe, passem a duvidar do que eles próprios pensam em seu desconhecimento sobre esse assunto. E decidam então, quem sabe, descobrir de forma adequada e pela própria experiência antes de opinar. Poderão dessa forma abandonar a condição de idiotas e vivenciar antes aquilo sobre o que decidam falar. Ou simplesmente, com a graça do Infinito, apenas abandonar o triste hábito de falar sobre o que não sabem.
O Kundalini Yoga está ai aberto a todos! E quem puder estar também aberto e mergulhar na experiência, poderá vivenciar o que é esse Yoga da Consciência e compartilhar autenticamente a partir do seu próprio saber.
Akal Muret Singh