YOGA: ENTRE A VALIDAÇÃO E A IRRELEVÂNCIA

YOGA: ENTRE A VALIDAÇÃO E A IRRELEVÂNCIA

O Yoga depois de milhares de anos de história vive hoje, mesmo no oriente, mas especialmente no ocidente, uma situação curiosa e paradoxal. 

Por um lado inúmeras pesquisas e artigos científicos validam suas práticas. Por outro nas mãos da superficialidade midiática contemporânea o yoga se tornou um sub produto paliativo para as dores da auto ignorância que originariamente se propõe a eliminar. 

A validação científica dos ensinamentos yogis se dão em varios níveis: pelos efeitos sobre saúde do cérebro, sistema nervoso e glandular; como uma poderosa terapia para depressão, ansiedade panico e sintomas nocivos do estresse e avança como uma profunda investigação sobre a identidade humana: a existência ou inexistência de um sujeito substancial e com isso a possível desconstrução da noção de um eu histórico temporal. O Yoga enfim estabelece atualmente, por esses ou outros caminhos, um profícuo diálogo com a psicologia, medicina, filosofia, pedagogia, física e neuro ciência.

Por outro lado na mídia, redes sociais e mesmo em alguns livros que pretendem falar de yoga surgem publicações banais, que em nada lembram os grandes sábios da Índia, lançando o Yoga diariamente no lamentável território da irrelevância.

Existem algumas variações desses descaminhos que levam o yoga a um esvaziamento de sentido.

Em alguns casos isto acontece através de um discurso fantasioso e vazio mesmo, no mais tosco estilo auto ajuda, onde soluções simplistas e paliativas pretendem atender problemas existenciais complexos. Questões essas das quais o Yoga originariamente trata de um modo apropriado e é capaz de dar conta se adequadamente vivenciado.

No entanto, obviamente, tende a não acontecer nada de significativo e transformador quando o Yoga é abordado de um modo superficial, de um modo tosco mascarando e induzindo o humano a um lamentável auto engano que em última instancia agrava o problema. Agrava por criar expectativas ilusórias e não tratar de um modo apropriado questões centrais como a ignorância sobre si mesmo, a morte, o sentido ou a falta de sentido da existencia, a liberdade, a ação humana no mundo e suas relações e outras tantas questões fundamentais às quais o Yoga definitivamente é capaz tratar de um modo apropriado e com um rigor metodologico indispensável.

Uma outra faceta da deterioração em nosso tempo é o yoga surgir como entretenimento pop que se pretende saudável. Surge por exemplo em apresentações de imagens onde pessoas com aparentes nobres intenções e uma boa dose de exibicionismo aparecem em suas “poses”; jeitos e trejeitos adornados as vezes com uma suposta espiritualidade, claramenmte nascísica. E em geral curiosamente retrógrada, cheia de discursos morais e repetição de slogans.

O estranho e patético é que isso tudo na maioria das vezes é publicado e promovido pelos seus próprios “praticantes”, entusiastas e simpatizantes. É uma situação bizarra!
Algumas pessoas se perguntam e já me perguntaram se o Yoga sobreviverá a isso.

E penso que possivelmente sim! 

Porque quando ensinado em sintonia com uma Tradição viva, atualizada, e que esteja livre de deterioração o Yoga se mostra sempre uma verdadeira ciência da consciência. E isso ainda é possível.

Yoga é um saber que se produz e se confirma e principalmente se atualiza pela vivencia direta de grandes seres humanos na tradição oral que ainda se mantem viva na India e que não será encontrada no google ou you tube. É dessa fonte inesgotável que de tempos em tempos surgem novas perspectivas que atualizam e fazem aparecer sempre de novo um Yoga vivo e com sentido mesmo em meio a deteriorações. 

A deterioração de um caminho chamado espiritual pode ocorrer pelo engessamento tradicionalista que se mantém preso a contextos de outra época e tenta transportar o passado para o presente de forma dogmatica, e com isso deixa de realizar o que lhe cabe hoje. Inviabiliza a si mesmo. Ou então o Yoga se deteriora pelas inovações inapropriadas  feitas com critérios subjetivos e interesses secundarios desconectados do seu propósito fundamental.

No entanto, as práticas e orientações do Yoga são comprovadamente capazes de fazer uma profunda e fecunda intervenção sobre os sistemas nervoso, glandular e neuronal; impactam poderosamente a rede de meridianos e chakras e nutrem a dinâmica emocional e mental para uma vida criativa com autonomia e liberdade. Então a partir disso é gerada a capacidade para observar e compreender a vida sem as projeções do passado e assim descobrir e ser autenticamente o si mesmo infinito e atemporal. 

Com uma base harmônica o humano se abre ao desconhecido e ao sagrado dentro e alem de si mesmo.  Afirmamos então: sim! O Yoga vai sobreviver!

Mas é possível que muitas pessoas nessa época passem as suas vidas e percam a oportunidade de se descobrir através do Yoga. Ou porque lhes foi apresentado em uma tal embalagem e discurso que um minimo de senso crítico foi suficiente para que essa Tradição ancestral fosse descartada como mais uma bobagem new age. Coisa que definitivamente não é!

Ou quem sabe também por que lhes apresentaram um Yoga já capturado por alguma seita pseudo espiritual/capitalista e embalado como produto “religioso” no pior sentido da palavra. E muitas vezes centrada na imagem de algum mestre auto proclamado com um super bem produzido marketing de “iluminado” e seus franchisings.  Nada mais patético que isso! 

De muitos modos pois surgem “yogas” como produtos a serem consumidos pela voracidade do mercado. Muitos jogam com as fantasias “espirituais” da carência humana ou propõem algo que é muito mais eliminar os efeitos nocivos de uma vida sem sentido do que reconhecer o próprio poder de criar sentido a partir de uma vida autentica e forte. Enfim, um Yoga paliativo para “dormir melhor” o sono do esquecimento de si e do auto engano.

E existe ainda, pasmem, e isso tem ocorrido na Índia nos últimos anos, o uso do Yoga como estratégia de dominação cultural e política por parte de ultra nacionalistas hindus. Um total contra senso pois o Yoga é livre e existe para libertar de todos os guetos e ideologias. Vamos esperar que o próprio Yoga e o senso critico dos yogis dissipem as distorções onde for que elas apareçam.

É possível mesmo que muitas pessoas se percam do Yoga nessa época por que a superficialidade de mentes carentes e ansiosas por entretenimento, modismo e outras bobagens deram a essa sabedoria antiga do humano sobre si mesmo a caricatura pop sobre a qual já comentamos aqui.

É verdade que em muitos ambientes, o Yoga perdeu seu caráter provocador de questionamentos e mudanças. Mas de algum modo está aí para ser vivido por quem puder sentir a sua frequência e ouvir sua voz lhes chamando ou arrastando ao abismo do desconhecido. Nesse abismo desaparece completamente tudo o que pensamos ser e a partir daí a vida pode aparecer poderosamente forte e criativa e transformar sempre de novo todas as relações.

Yoga é esse fluir incessante da forma para a não forma e então novamente alegre e criativamente da não forma para a forma. Isso desconstrói e cria constantemente a vida. Morte e renascimento são os modos de ser de um viver autentico pleno, que cria o sentido de si mesmo a cada respiração. Yoga é isso: vida sendo ela mesma em sua totalidade.

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